11.2.21

CIÊNCIA E MÉTODO CIENTÍFICO

Ciência e método científico

Feliz é a pessoa que consegue discernir as causas das coisas. 

“Felix, qui potuit rerum cognoscere causas” 
(verso 490 Libri 2 das "Georgicas" (29 a.C.)
  Virgílio (Publius Vergilius Maro, 70 - 19 a.C.).



Natureza da ciência 

Estabelecemos que a zoologia é o estudo científico dos animais. Assim, um entendimento básico da zoologia exige um conhecimento do que é ciência, daquilo que não é, e de como o conhecimento é adquirido pelo uso do método científico (Hickman, 2016).

Ciência é um meio de formular questões e, às vezes, obter respostas precisas sobre o mundo natural

Embora a ciência, no sentido moderno, tenha aparecido recentemente na história humana (nos últimos 200 anos), a tradição de fazer perguntas sobre o mundo natural é uma prática ancestral. 

Estudando a Biologia e Zoologia podemos perceber que ambas compartilham métodos e procedimentos com a ciência como um todo. 

Esses procedimentos para construir explicações baseadas em dados dos fenômenos naturais distinguem as ciências das atividades que excluímos do domínio da ciência, como a arte e a religião. 

Apesar do enorme impacto que a ciência tem tido sobre nossas vidas, muitas pessoas têm apenas um entendimento mínimo da natureza real da ciência. 

Por exemplo, em 19 de março de 1981, o governador do Arkansas sancionou a Lei do Tratamento Equilibrado para a Ciência da Criação e Ciência da Evolução (Lei 590 de 1981). Essa lei apresentou falsamente o binômio “criação-ciência” como uma questão cientificamente válida. “Criação-ciência” é na realidade uma posição religiosa defendida por uma minoria da comunidade religiosa norte-americana e não é qualificada como ciência. 

A sanção dessa lei levou a um processo histórico, julgado em dezembro de 1981 na corte do Juiz William R. Overton, Corte Distrital dos EUA, Distrito Oriental do Arkansas. 

A demanda foi interposta pela União Americana pelas Liberdades Civis em favor de 23 queixosos, formada por um certo número de líderes e grupos religiosos representantes de várias denominações, pais e associações educacionais. 

Os queixosos questionaram a lei como uma violação da Primeira Emenda da Constituição dos EUA da América, que proíbe o “estabelecimento de religião” pelo governo. 

Essa proibição inclui aprovar uma lei que favoreceria ou preferiria uma religião a outra. Em 5 de janeiro de 1982, o Juiz Overton proibiu no Estado do Arkansas a aplicação da Lei 590 permanentemente. 

A natureza da ciência foi tratada por um número considerável de testemunhas durante o julgamento. Algumas testemunhas definiram ciência simplificadamente, ou de maneira demasiado informativa, como “o que é aceito pela comunidade científica” e “aquilo que os cientistas fazem”. 

Entretanto, outros testemunhos de cientistas habilitaram o Juiz Overton a determinar explicitamente as seguintes características essenciais da ciência: 

1. É guiada pela lei natural. 
2. Precisa ser esclarecedora com referência à lei natural. 
3. É passível de ser testada em relação ao mundo observável. 
4. Suas conclusões são experimentais, isto é, não são necessariamente a palavra final. 
5. Pode ser refutada.
 
A busca do conhecimento científico deve ser guiada pelas leis físicas e químicas que governam o estado da existência. 
O conhecimento científico precisa explicar o que é observado com referência à lei natural sem exigir a intervenção de um ser ou força sobrenatural. 

Precisamos estar aptos a observar eventos no mundo real direta ou indiretamente, para testar hipóteses sobre a natureza. 

Se obtivermos uma conclusão relativa a algum evento, precisamos estar sempre prontos a descartá-la ou modificá-la se observações mais completas a contradisserem. 

Como o Juiz Overton estabeleceu, “Embora sejam livres para abordar a inquirição científica de qualquer maneira escolhida, não podem descrever apropriadamente a metodologia usada como científica se começam com uma conclusão e recusam-se a mudá-la, confrontados com evidências desenvolvidas durante o curso da investigação”

A ciência está isolada da religião, e os resultados da ciência não favorecem uma posição religiosa em relação a outra. (Hickman, 2016).

Infelizmente, a posição religiosa antigamente conhecida como “criação-ciência” reapareceu na política norte-americana com o nome de “Teoria do projeto inteligente”. 

Nós somos forçados mais uma vez a defender o ensino da ciência contra esse dogma desprovido de significado científico. Em 20 de dezembro de 2005, o Juiz John E. Jones III, da Corte Distrital dos EUA para o “Middle District” da Pensilvânia, julgou inconstitucional o ensino do projeto inteligente, defendido em uma ação pela junta da escola Dover. 

Os eleitores locais já tinham rejeitado os oito membros do júri que apoiavam o requerimento do projeto inteligente, substituindo-os com candidatos que se opunham ativamente a ensinar o projeto inteligente como ciência. (Hickman, 2016).

O método científico 

Esses critérios essenciais da ciência formam o método hipotético-dedutivo. 

Esse método exige gerar hipóteses ou respostas potenciais a questões que estão sendo formuladas. Essas hipóteses são em geral baseadas em observações anteriores da natureza, ou derivadas de teorias baseadas nessas observações. 

As hipóteses científicas com frequência são afirmações gerais sobre a natureza que podem explicar um grande número de observações diversificadas. 

A hipótese de Darwin sobre a seleção natural, por exemplo, explica as observações de que muitas espécies diferentes têm propriedades que as adaptam aos seus ambientes. 

Com base nas hipóteses, o cientista precisa fazer uma previsão a respeito de observações futuras. O cientista precisa dizer: “Se a minha hipótese é uma explicação válida para observações passadas, então observações futuras deverão ter certas características”. 

As melhores hipóteses são aquelas que fazem muitas previsões que, caso erradas, conduzirão à rejeição, ou refutação, da hipótese. 

Resume-se o método científico em uma série de passos: 

1. Observação 
2. Questionamento 
3. Hipótese 
4. Teste empírico 
5. Conclusões 
6. Publicação. 

As observações são um primeiro passo crítico na avaliação das histórias de vida das populações naturais. Por exemplo, as observações de populações de mariposas em áreas industriais da Inglaterra por mais de um século revelaram que as mariposas nas áreas poluídas tendem principalmente a ter asas e corpos de coloração escura, enquanto as mesmas mariposas em áreas não poluídas apresentam uma cor mais clara (Hickman, 2016)

Podemos observar isso em várias espécies de mariposa, mas aqui nos focaremos na espécie Biston betularia, na figura 1. 

Figura 2. Biston betularia f. typica e B. betularia f. carbonaria

Nossa pergunta é: “Por que os padrões de pigmentação variam de acordo com o habitat?” 

Sem qualquer conhecimento prévio da biologia dessas populações de mariposas, uma hipótese poderia ser que a coloração é influenciada de alguma forma por uma ação direta do meio. 

A ingestão de fuligem por lagartas pode de alguma forma escurecer a pigmentação das mariposas adultas? 

Pode-se testar essa hipótese criando mariposas em condições artificiais. 

Se tanto as mariposas com pigmentações mais claras como as com pigmentações mais escuras pudessem se reproduzir em ambientes não poluídos, nossa hipótese preveria que a prole de ambas apresentaria uma pigmentação mais clara; por outro lado, a prole de ambos os grupos teria uma pigmentação mais escura se reproduzidos em ambientes poluídos. 

Construímos uma hipótese nula para testar nossa hipótese. Uma hipótese nula é aquela que permite um teste estatístico de nossos dados a fim que esta possa ser rejeitada caso seja falsa. 

Podemos escolher como hipótese nula a previsão de que mariposas criadas em ambientes não poluídos apresentariam pigmentação mais clara independentemente de seus pais serem de populações claras ou escuras (melânica) e a de que lagartas de ambas as populações criadas em ambientes poluídos seriam de forma escura. 

Esse é um caso especial de experimento de “jardim comum”, como usado na agricultura. 

Populações contrastantes de habitats diferentes mantêm suas características contrastantes quando criadas em um jardim comum? 

No caso da mariposa Biston betularia, o experimento do jardim comum revela que as cores de asa contrastantes de populações de ambientes poluídos e não poluídos são mantidas no jardim comum. 

A prole de mariposas de populações criadas em ambientes poluídos mantém a pigmentação escura de seus pais, enquanto a prole de mariposas com pigmentação mais clara apresenta coloração mais clara como seus pais. 

Rejeitamos, assim, a hipótese de que o contraste de cor represente uma ação direta das condições do meio. 

Produzimos um conhecimento importante ao rejeitar nossa hipótese inicial. 

Agora, vamos testar uma hipótese alternativa de que a pigmentação é um atributo genético entre as Biston betularia

Por meio do uso da metodologia genética de Gregor Mendel (ver mais adiante), cruzamos as populações de colorações claras e escuras e traçamos a herança de pigmentação nas populações seguintes. 

Os resultados do experimento revelaram que a prole gerada pelo cruzamento de populações claras e escuras apresentou pigmentação escura e que a progênie de segunda geração incluía tanto mariposas claras como escuras na razão 3:1 prevista pela hipótese nula para um atributo mendeliano determinado por um gene único. 

Ainda não respondemos a nossa pergunta inicial: por que a pigmentação difere entre populações criadas em ambientes poluídos e não poluídos? 

Aprendemos, porém, que a questão central é por que formas diferentes de um único gene apresentam frequências contrastantes nesses dois ambientes. 

Sabemos que as populações de mariposas já habitavam a Inglaterra bem antes da instauração das fábricas que provocam a poluição industrial. 

As populações com pigmentação mais clara provavelmente assemelham-se às condições de seus ancestrais, então qual o motivo de tantas mariposas de pigmentação escura acumuladas nos ambientes poluídos? 

A hipótese mais simples é que as mariposas de forma escura apresentam maior probabilidade de sobreviver e se reproduzir em ambientes poluídos. 

Outras observações sobre as mariposas Biston betularia revelaram que é comum as mariposas serem ativas à noite e inativas durante o dia, descansando na casca das árvores. 

Ao contrastar fotografias de mariposas claras e escuras repousando na casca de uma árvore coberta de líquen e sem poluição e na casca de uma árvore coberta de fuligem, chegamos a uma hipótese que pode explicar por que mariposas de forma escura predominam em ambientes poluídos. 

Figura 2. Formas claras e melânicas da mariposa-pimenta Biston betularia, (peppered moth) sobre A, uma árvore coberta por liquens em área não urbana, não poluída, e B, sobre uma árvore coberta de fuligem próxima à área industrial de Birmingham, Inglaterra. As cores dessas variedades têm uma base genética simples. C, Declínio recente na frequência da forma melânica da mariposa-pimenta com a redução da poluição nas áreas industriais da Inglaterra. D, cópula entre as formas clara e escura indicando que são da mesma espécie.
A frequência das formas melânicas ainda excedia os 90% em 1960, quando as emissões de fumaça e dióxido de enxofre eram altas. Posteriormente, conforme as emissões declinaram e os liquens de cor clara começaram a crescer novamente sobre os troncos das árvores, a forma melânica tornou-se mais conspícua (visível) aos predadores. Por volta de 1986, apenas 50% das mariposas ainda eram da forma melânica; o restante tinha sido substituído pela forma clara.

A Figura 2 mostra que a mariposa de coloração mais clara fica camuflada na superfície sem poluição, onde a mariposa escura torna-se mais visível; em contraposição, a mariposa escura fica camuflada na casca coberta de fuligem onde a mariposa clara torna-se bastante visível. 

A camuflagem sugere que um predador que usa sua visão para encontrar sua presa captura e mata com mais frequência as mariposas que contrastam com a cor de fundo do seu local de descanso diurno. 

Como podemos testar essa hipótese? Muitas aves são predadoras diurnas guiadas até sua presa por meio de pistas visuais. 

Muitos experimentos mostraram que as aves irão atacar os modelos em argila que muito se assemelham a suas presas favoritas. Para testar nossa hipótese, podemos criar modelos em argila de mariposas claras e de forma melânica. Colocamos números iguais de modelos claros e escuros tanto na casca de árvores limpas como na casca de árvores cobertas de fuligem. Quando uma ave ataca o modelo em argila, normalmente deixa uma marca do bico na argila. Como a forma do bico varia entre as espécies de aves, podemos saber através desta, qual espécie atacou o modelo. 

Nossa hipótese nula é que há impressões do bico em quantidades iguais de formas escuras e claras nas superfícies com poluição e limpa. 

Nós rejeitaremos essa hipótese se encontrarmos uma quantidade bem maior de impressões dos bicos em modelos não camuflados do que em camuflados. 

Os modelos escuros devem ser atacados preferencialmente nas condições não poluídas e os claros preferencialmente nas condições poluídas. 

Observe que, nesse caso, a hipótese nula usada é o oposto de nossa explicação principal de que as aves destroem preferencialmente mariposas não camufladas. 

Por isso, os dados que rejeitam a hipótese nula servem para respaldar nossa explicação preferencial. Como esperado, experimentos desse tipo têm rejeitado a hipótese nula, respaldando nossa explicação de que as mariposas escuras prevalecem em ambientes poluídos porque sua cor escura as protege de se tornarem presas de aves durante o dia. 

Pode-se observar que nossos experimentos nos levaram a uma explicação sólida e específica para as observações iniciais. 

É uma hipótese forte de trabalho, mas nossos experimentos não provaram sua precisão. Podemos testá-la a seguir de diversas formas. 

Por exemplo, podemos criar mariposas claras e escuras em números iguais em um cativeiro externo que não contenha aves; nossa hipótese nula então será que as formas claras e escuras devem sobreviver em números iguais independentemente de se a casca da árvore está poluída ou não. 

Ao rejeitar essa hipótese nula, estaríamos sugerindo que nossa explicação preferencial não é a resposta completa para nossa pergunta original. 

Publicamos nossos resultados e conclusões no intuito de orientar futuros pesquisadores para testar nossa hipótese. Ao longo do século passado, muitos trabalhos de pesquisa publicaram seus resultados e explicações sobre o “melanismo industrial” em mariposas. 

Com algumas ambiguidades, a explicação favorecida é que a predação diferencial das aves sobre mariposas não camufladas explica melhor o melanismo industrial. 

Esses estudos receberam muita atenção porque essa explicação ilustra um mecanismo da teoria da seleção natural de Darwin. 

Note que uma hipótese não pode ser provada usando-se o método científico. 

Se os dados disponíveis são compatíveis com esse fato, a hipótese serve como um guia para a coleta adicional de dados que potencialmente poderiam rejeitá-la. 

Nossas hipóteses melhor sucedidas são as que fazem previsões específicas confirmadas por um grande número de testes empíricos. Se uma hipótese é bastante poderosa em explicar uma ampla variedade de fenômenos relacionados, ela atinge o status de teoria

A seleção natural é um bom exemplo. Nosso exemplo do uso da seleção natural para explicar padrões de pigmentação observados em populações de mariposas é apenas um dos muitos fenômenos aos quais a seleção natural se aplica. 

A seleção natural fornece uma explicação potencial para a ocorrência de muitos atributos diferentes distribuídos virtualmente entre todas as espécies animais. 

Cada uma dessas instâncias constitui uma hipótese específica gerada a partir da teoria da seleção natural. 

Note que a refutação de uma hipótese específica, apesar disso, não conduz necessariamente à rejeição da teoria como um todo. 

A seleção natural pode falhar, por exemplo, em explicar as origens do comportamento humano, mas fornece uma explicação excelente para muitas modificações estruturais da extremidade pentadáctila (com cinco dedos) dos membros dos vertebrados para diversas funções. 

Os cientistas testam muitas hipóteses subsidiárias de suas grandes teorias, para questionar a generalização de suas aplicações. As teorias capazes de explicar o maior elenco de fenômenos naturais diferentes são as mais úteis. 

TO BE CONTINUED...



Bibliografia 


Hickman, C.P.Jr. et allii. Princípios integrados de zoologia. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Guanabara Koogan. 16ªedição. 2016.







“Read not to contradict and confute; nor to believe and take for granted; nor to find talk and discourse; but to weigh and consider.”
Sir Francis Bacon (January 22, 1561– April 9, 1626)







BBC 








1 comentários:

Prof. Gomes disse...

Ótimo texto, devido ao exemplo centrado num fato real e atual.

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